Haliburton, março de 2024
À tarde vi um coelhinho aqui atrás da cabana. Fiquei maravilhada! Um coelho orelhudo e branco e dos olhos vermelhos, parecia mentira. Fui lá fora (só um coelho branco mesmo para me fazer sair da cabana, embora já não estivesse chovendo mais há um tempo). Conversei um pouco com ele. Ele não disse nada, só eu falei. O que ele fez foi ficar chomp-chompando seus matinhos que estão começando a nascer (ou de repente nem pararam, com esse inverno esquizofrênico). Fiquei maravilhada, de fato. Que pêlo1 branquinho! Fiquei imaginando se tinha a mesma textura do pêlo do meu Yukito, que é meu coelho-da-neve. E olha só! Um coelho branco! Será que é um coelho-da-neve mesmo? Depois, em casa, vou pesquisar, e quero achar uma foto para colar no meu Querido Diário, pois claro que não consegui uma foto boa, já que não quis tentar chegar perto e acabar espantando o carinha. Ele estava no meio das árvores.
Está bem nublado agora, à noite, e não estou conseguindo ver o céu. Ontem, dava pra ver. Estava bem branco com a luz da lua refletida no lago e de volta nas nuvens (será que eu inventei isso?), e tinha estrelas. Queria ter visto o pôr do sol, mas não houve pôr do sol nenhum, está muito nublado desde ontem: teto baixo, eu diria naquela época em que era fanática por livros de aviões e pilotos (saudade, Saint-Exupéry e Richard Bach). Continuo sem saber onde é o norte ou qualquer outro ponto cardeal nessa minha falta de direção inata, e claro que não trouxe uma bússola.
Continuando com o coelhinho. Por que já cheguei com a certeza de que ele é um cara? Não podia ser uma moça ou uma senhorinha? Bem, acho que não. Talvez eu tente me explicar dizendo que achei grande, e imaginei que fêmeas são menores. Ou talvez diga que li num livro que a orelha assim e o focinho assado são características de um coelho macho. Mas não foi nada disso, não. Só sei que era um rapaz, porque sim. Devo ter sentido no meu coração, sei lá. No fim, nem sei se era coelho mesmo, vai ver que era uma lebre. Não sei se sei – ou já soube – diferenciar. Sei apenas que o ponto alto do dia foi ver esse carinha: ir lá fora falar com ele; vê-lo olhando para mim com os olhinhos vermelhos e continuar comendo seu matinho, chomp-chomp. Depois de um tempo, finda sua refeição, ele olhou para mim de novo. Franziu o pequeno e gorducho fuço e saltitou para longe, tal qual um cabrito. Não – claro que não: tal qual um coelhinho. E eu fiquei observando os músculos das perninhas de trás e o estilo do movimento e o tipo do saltito, e tal, e coisa, lembrando do meu Yukito, que é o meu coelho-da-neve lindo e está lá em Toronto bem feliz, e vai ficar mais feliz ainda quando a humãena dele chegar para cheirar-lhe o fuço e os feijões das patinhas.
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Toronto, outubro de 2024
Procurei depois em casa na Internet e, aparentemente, o modelo de coelho que vi foi mesmo um “coelho-da-neve mesmo”.
Domingo último levei Yukito Monteiro Broock, Presidente Celular, Comedor de Rúcula e Caçador de Libelinhas, Primeiro de Seu Nome, à clínica para a consulta anual de rotina. Quem o examinou foi o Dr. Isaiah, que o examinou também da primeira vez que o levei, recém-adotado, a esse hospital em que acompanhamos os três gatos Broock. O doutor não ia lembrar, pois2 dezenas de centenas de milhares de milhões de pets que ele vê todos os dias da vida eterna dele (mentira, ele não é o Mumm-Ra), por isso perguntou, de novo:
— Yukito! O que significa mesmo o nome dele?
Ao que humãena prontamente respondeu, acostumada já a esta questão:
— Significa coelho-da-neve! Embora ele não seja um coelho, nem seja branco e nem seja da neve…
E rimos, o doutor e a humãena. Yukito continuou com sua pose de Distinguished Gentleman querendo um Churu.
E foi isto, então. Após o exame clínico, ganhamos um Churu, e pudemos ouvir os habituais gritinhos de todas as técnicas e enfermeiras e recepcionistas e mães de pet: “oh my gosh, he’s SOOOO HANDSOME!!”. Daí voltamos para casa felizes e contentes e com imunização contra a raiva a atualizar só no ano que vem.
Aqui nesta newsletter somos contra o Novo Acordo Ortográfico quando lembramos de ser contra o Novo Acordo Ortográfico.
João Filho que, por óbvio, leu esse texto antes de ser publicado, me alertou que esse “pois” ficou estranho. Expliquei a ele que “fazi de poprósito”, para emular o personagem “expatriada que esqueceu os portugueis”: como se eu usasse, em inglês, um for no lugar de because. Então que ele respondeu: “Pois ponha uma nota de rodapé!”, e assim o fiz.
Não confio em ninguém que não converse com os animais. Que belo relato!
Ótimo texto! Só faltou uma foto ilustrativa do Yukito, lindíssimo. 😍